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JÁ FUI UM HERÓI, TANTO QUANTO OS SOLDADOS DO AR NA II GRANDE GUERRA

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Mensagem por WLADIR SANTOS 31/1/2010, 9:52 am

JÁ FUI UM HERÓI, TANTO QUANTO OS SOLDADOS DO AR NA II GRANDE GUERRA Batalh1EU, HERÓI A CONTRAGOSTO, NOS MEUS CINCO OU SEIS ANOS...

As pessoas mais novas acham que seus pais e avós não tinham aventuras que produziam "adrenalina" em nossos tempos. Na verdade, as gerações anteriores sempre foram vistas pelas mais novas como geração de nostálgicos, sem atividades, que se contentava com coisas bem mais modestas das que hoje existem. Uma das poucas coisas que ultrapassaram a barreira dos tempos e permanecem até hoje, vindas do século anterior, foi a bicicleta. As bicicletas existiam ao tempo dos nossos avós e existirão ainda por muitas gerações.
Contudo, tínhamos momentos de incrível excitação e produção de medo autêntico. Na verdade, todas as nossas estórias sob a luz do nosso poste produziam mais medo que o andar de patins, scates, dirigir em rachas, etc. O que variava mesmo eram as coisas que tínhamos à disposição, menos perigosas que agora para a integridade das crianças.
Rolar dentro de um pneu velho de caminhão, numa ladeira, era uma dessas coisas. Nunca vi nada tão excitante em minha vida e até me senti uma espécie de herói por ter sido o único a fazer isso em nossa turma.
Numa manhã de domingo todas as crianças estavam no campo do Unidos Futebol Clube para assistir a mais uma partida do time do bairro. O jogo começaria dentro de uma hora mais ou menos.
Quem surgiu ali com um pneu velho de ônibus foi o Afonso, garoto que nunca ou quase nunca chegava até nossa turma, por morar algumas quadras longe da nossa. Sem ter o que fazer naquele momento antes do jogo, Insto entrou dentro do pneu naquele lugar onde se acondiciona a câmara e pediu que o colocássemos para rodar desde a arquibancada do campo para o centro do mesmo. Havia um declive relativamente grande mas sem perigos de tombos bruscos. Ajudamos todos a colocá-lo ali, erguemos o pneu com Insto dentro e o empurramos. O bólido começou a rodar, tomando impulso cada vez maior e foi parar apenas no meio do nosso campo, onde rodopiou em círculos até cair de vez. Corremos todos até lá e ajudamos Insto a sair, completamente tonto pelo número de voltas que havia dado. Insto saiu de dentro e desejou entrar novamente para mais uma descida.
Foi feito, e tanta era sua alegria pela aventura, que formou-se uma fila para entrar no pneu, com todos querendo experimentar. Desgraçadamente eu estava nessa fila, acreditando que isso era coisa para todos.
Quando chegou a minha vez, os garotos não fizeram o pneu rodar para o campo, preferindo colocá-lo para descer pela rua Prudente, cruzando em velocidade a Sta Cruz, a José Pinto de Almeida, a via férrea da Sorocabana, e deveria passar pelo riacho Itapeva, só devendo parar mesmo antes de chegar à Benjamim Constant, onde começaria a ladeira a subir, perto de quinhentos metros longe dali.
Eu berrava como um maluco para a turma, mas todos se mostraram insensíveis aos meus protestos e até me diziam gozações. A situação dentro do pneu era de proteção total, mas estava me sentindo mal pelo aperto em que me encontrava, sem poder mexer um músculo. Ninguém veio em meu socorro. Colocaram-me bem no meio da rua e deram o impulso inicial. O mundo começou a girar em torno de mim, a princípio com vagar mas a cada vez mais rapidamente, com os garotos correndo e gritando atrás e impedindo a queda do bólido. Todos gritavam de alegria, só eu chorava de desespero.
De repente a preocupação de alguém: a rua... a rua Sta Cruz... pode vir carro...
Mas nada conseguiram fazer: o pneu cruzou em alta velocidade a pista que nessa época já era movimentada por ser saída dos carros que demandavam S.Paulo e a Usina Monte Alegre. Por sorte nenhum carro, ônibus ou caminhão estava passando naquele instante. Saltou sobre um obstáculo qualquer, passou em frente do nosso poste, cruzou a José Pinto de Almeida saltando alto sobre os trilhos do bonde e finalmente se desviou, subindo na calçada. Mas não parou. Continuou rodando com menor velocidade até que veio a cair na valeta de águas pluviais que passava sob os trilhos do trem para chegar ao Itapeva. Foi aí que ele parou, enroscando-se exatamente sob os trilhos da Sorocabana, metendo-se sob os trilhos e fixando-se ali.
Eu estava completamente tonto, com o mundo ainda girando em torno de mim, estômago ruim, quase que vomitando, mas não ouvi nenhuma voz por alguns minutos. Os garotos tinham ficado para trás na correria louca e meu desespero era maior ainda porque não dava para sair sozinho do nicho onde fica a câmara de ar.
O susto maior estaria por vir. As vozes dos meninos foram aumentando em volume até que chegaram até onde eu estava. O pneu ficou entalado ali comigo dentro dele, sem que conseguissem me resgatar. Não sei por quanto tempo, mas o suficiente para que a tontura e o choro parassem. Foi aí que veio o aviso de arrepiar: lá pelas bandas do terreno do Pedro Rico, a maria-fumaça virou na curva arrastando dezenas de vagões carregados de açúcar. Eu não conseguia ver, mas ouvia os chiados das suas caldeiras, os apitos estridentes da locomotiva e sabia que em questão de menos de um minuto passaria sobre mim. Meu desespero foi total, mas felizmente não deu para sair de dentro, caso contrário eu teria ficado em pé e o trem me apanharia em cheio.
Ao passar por mim, uma chuva de brasas das caldeira caiu sobre o pneu, penetrando dentro dele e me fazendo miríades de pequenas queimaduras. O trem parecia-me ter milhares de vagões, pois não parava mais de passar. Quando as últimas rodas passaram e o silêncio ali demonstrou que não havia mais perigo, o guarda-linha se encarregou de tirar o bólido do enrosco, pois até esse momento ele não sabia o que havia dentro dele.
Quando finalmente saí, todo queimado e com as roupas furadas em mil lugares, voltei a chorar, mas de nervosismo. Levei a maior bronca do guarda-linhas pela aventura e fui para casa, onde apanhei dos meus pais pelo que havia feito. A brincadeira com o pneu nunca mais aconteceu com nenhum de nós, nem com Insto. Contudo, eu me senti por uns bons tempos como uma espécie de herói entre os amigos do poste, pois tinha sido o único com "coragem" suficiente para fazer essa aventura, que quando os amigos esqueciam de reviver eu me encarregava disso até que ela se exauriu por completo.

Até hoje sofro de claustrofobia e acho que devo isso a esse episódio memorável da minha vida.
WLADIR SANTOS
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Mensagem por Mélida 31/1/2010, 10:30 am

Beredicth.
A-D-O-R-E-I esta lembrança sua, em forma de crônica.
A passagem mais significativa para mim foi quando disse: "Todos gritavam de alegria, só eu chorava de desespero."
Vou usar este texto para ilustrar trabalho que estou fazendo, de resgate dessa época. Impressionante esta sua capacidade descritiva, capaz de retroagir no tempo, com as apreensões que lhe causaram as peripécias de antanho, vivenciadas pessoalmente.
Lindo...LINDO!
Parabéns e tenha um final de semana excelente. Um grande beijo na adorável Mirian.
Mélida
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Mensagem por LaBelle 31/1/2010, 12:57 pm

A Mélida sempre chega antes... buááá
Mas não me importo realmente. Os seus escritos são maravilhosos em todos os sentidos, mas especialmente porque eles retratam um garoto e suas apreensões e vivências, um lugar (Piracicaba antiga) e uma época (décadas de 40 e 50).
Outro dia topei com a mensagem do seu Editor, dizendo que "não há nada parecido com isto (referia-se ao seu livro Contando Causos) na literatura brasileira.
Concordo.
Ressaltaria também a mesma citação notada pela charmosíssima Mélida, como a mais significativa do seu modo de encarar as coisas: "Todos gritavam de alegria, só eu chorava de desespero". Isso é o contraponto do título, sobre ter sido um herói, tanto quando os soldados do ar (aeronáutica) na II GG.
Parabéns Mestre Wladir, pela sua nova inclusão.
Bjos de todos nós aqui de casa.
LaBelle
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JÁ FUI UM HERÓI, TANTO QUANTO OS SOLDADOS DO AR NA II GRANDE GUERRA Empty Re: JÁ FUI UM HERÓI, TANTO QUANTO OS SOLDADOS DO AR NA II GRANDE GUERRA

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